quinta-feira, 17 de março de 2011

O Laço


Imagem da web



"E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh'alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!"

Castro Alves



Padece de mal desconhecido, dizem os médicos. É coisa da cabeça, só pode ser. Emudeceu, depois não falava coisa com coisa, ficou assim de repente: olhos vidrados para o nada. Não dorme, não come, nem água quer beber, fica falando coisa que ninguém entende, que só ela que vê. E fala que só, viu? Fica ai olhando o movimento das coisas, das pessoas, mas não parece ligar-se a nada. Procuram o laço que Cecília perdeu, o laço que a unia à realidade. Dizem que andava lendo livros estranhos, poesias, filosofia, fazia mergulhos no próprio inconsciente. E parece que de um desses mergulhos ela voltou assim. Catatônica, bestificada. Nem todo mundo consegue voltar bem dessas coisas, é o que dizem. É perigoso encontrar-se consigo mesmo, ninguém sabe o que vai encontrar nas próprias profundezas. Tem gente que diz que, por dentro, Cecília está lutando para retornar. A mãe só reza e chora, reza e chora, reza e chora. Também, é filha única da coitada. Quem diria que a Madalena tão religiosa, tão crente em Deus, ia ter uma filha louca?

(...)

No mais profundo mergulho que já fizera, Cecília regozijava-se, como quem sonha de olhos abertos, com o universo que criou para si. Universo azul, fluido, profundo e doce. E ficou conhecida naquela cidadezinha do interior como "Cecília (filha da Madalena), a menina que sonhava de olhos arregalados".

7 comentários:

Paulo Francisco disse...

A menina que sonhava de olhos arregalados.
Adorei!
Um beijo.

Kaiser Soze disse...

Gosto de imagens de gente perdida. Gosto, especialmente, porque não chegamos a saber, exactamente, se se perdeu de nós todos e, neste caminho se encontrou.
Um problema típico de quem pensa demais. De tanto ir há sempre a possibilidade de não encontrar o caminho de volta.
Gosto.

(infelizmente, não tenho msn do email em questão...o contacto está difícil mas prevejo que valerá a pena ehehe)

Rosamaria disse...

Ela sonhava de olhos arregalados, sem medo...

Preferiu enfrentar seus demônios a continuar sendo escrava deles...

Beijos
Bom findi.

Marcelo R. Rezende disse...

Coisa mais profunda, me pôs a pensar.

Beijo.

Rodolpho Padovani disse...

E esse é um dos melhores jeitos de sonhar, pois a gente inventa.
Adorei essas palavras e o laço que elas me deram por aqui, hehe.

Beijos.

Anônimo disse...

a loucura tem lá suas virtudes...

Impoesia sim disse...

"É perigoso encontrar-se consigo mesmo, ninguém sabe o que vai encontrar nas próprias profundezas".

É bastante perigoso! Podemos voltar ou ficar na quimera. Volta não Cecília; eu também estou me mudando pra aí.

Abraço!