sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Chico Buarque

O QUE SERÁ (À FLOR DA PELE)
Chico Buarque (Brazil) - 1976

"O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita
O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite.
O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores que vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo".

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Simbora tristeza

"Simbora" tristeza,
Vamos juntas escrever um samba
E quem sabe dançá-lo, talvez.
Vamos juntas, "simbora",
Meu coração já se desfez
Nas notas de um samba qualquer.
Ai, tristeza, "simbora".
Eu não vejo a hora
De me refazer,
De me reescrever,
De reinventar minha própria dor.
Vamos juntas, "simbora",
Você é minha companhia
Enquanto a alegria
Não vem.

domingo, 25 de outubro de 2009

Descanso

As flores repousam no vaso.
A velha borda, cruzando a linha como uma teia.
Ah, as horas que passam!
As crianças brincam barulhentas na calçada.
As árvores balançam com o vento,
Cada folha que cai traz uma lembrança.
O lápis passeia inquieto sobre o caderno.
A alma descansa, lavada, sobre os lençóis que ela mesma teceu.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Canto do mar

Em cada canto da casa
Em cada canto da alma
Em cada canto do mar
Dava pra escutar
Em cada canto que se deixe
Em cada canto que se vá
Em cada canto há
Um segredo a revelar
Em cada canto
Em cada pranto
Em cada luz
Em cada olhar
Em cada canto da casa
Em cada canto da alma
Em cada canto do mar
Em cada canto há
Uma poesia a ressoar.