quarta-feira, 22 de julho de 2009

A sombra dos deuses

Hoje é meu penúltimo dia aqui em Lisboa e (nossa!!!) como gostei dessa terra!

Aqui consegui até ir à praia, algo que eu estava sentindo muitissima falta, mas o mais essencial mesmo disso é que encontrei exatamente tudo o que vim buscar aqui.

Não sei se vocês sabem aquela sensação de "missão cumprida"... É essa a sensação que tenho com relação a Portugal. Fui muito bem recebida, fiz amizades que, bom, não sei se vão durar, isso é o tempo quem vai dizer... mas conheci pessoas singulares, extremamente abertas, carismáticas e sinceras. (Terra boa essa do poeta... Anseio por voltar).

Uma dessas pessoas foi alguém muito especial chamada Rachel, que me presenteou com o livro de Ricardo Reis chamado "A sombra dos deuses".

Eu ainda nem pude lê-lo, mas já abri, folheei e me reservei aquela ânsia do descobrimento! Acho que estou esperando um momento propício, afinal, será de fato meu primeiro encontro com Ricardo Reis.

Bom, esse é outro heterônimo de Fernando Pessoa, assim como Alberto Caeiro. Dizem que esse é o "autor-personagem" de Pessoa que busca a felicidade através da apreciação do momento -- leia-se "carpe diem" -- mas que é extremamente triste. Abaixo, um poema de Ricardo Reis. Espero que tenham um bom mergulho vocês também.


Vem sentar-te comigo, Lídia, á beira do rio
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendemos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.
Vem sentar-te comigo, Lídia, á beira do rio.
Sem amores, nem ódio, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, que o seu perfume suavize o momento
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada.
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave á memória lembrando-te assim – á beira – rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis

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